O homem das épocas econômicas anteriores encontrava-se na dependência de poucos outros homens, mas estes outros eram individualmente bem definidos e impermutáveis, enquanto hoje em dia dependemos muito mais de fornecedores, mas podemos permutá-los ao nosso bel-prazer.
Georg Simmel – O dinheiro na cultura moderna.
O homem de bem de outrora já não é, para nós, senão um diletante, e recusamos ao diletantismo todo e qualquer valor moral; vemos, antes, a perfeição no homem competente que procura, não ser completo, mas produzir, que tem uma tarefa delimitada e que a ela se dedica, que faz seu serviço, traça seu caminho.
Émile Durkheim – Da divisão do trabalho social.
O século XIX faz maior em extensão um problema próprio do mundo moderno – que tem, inicialmente, as sociedades européias como local de existência e reflexão – patente na inquietação e no fazer sociológico, mesmo não gozando de concordância, de Simmel e Durkheim: o que a industrialização ensejou nas sociedades contemporâneas, desde o aparente enfraquecimento de princípios morais presentes em organizações sociais passadas, até o desenvolvimento de novas formas de sociabilidade vinculadas a necessidades típicas do mundo industrial.
Problema que pode ser facilmente traduzido numa temática quase canônica da reflexão social – realizada por economistas, psicólogos, moralistas na denominação de Durkheim, metafísicos e mesmo sociólogos num exercício ainda recente de reivindicação estatutária – que encontra suposições diversas, oriundas de mundos diversos: qual o significado do fenômeno da divisão do trabalho pra as organizações sociais modernas? Fato é que no mundo do século XIX a divisão do trabalho se apresentava como um fenômeno inerente ao capitalismo em desenvolvimento, mas com conseqüências não tão evidentes. Simmel e Durkheim protagonizam bem, em encontros e desencontros, a opacidade relativa aos desdobramentos deste processo.
A ausência de concordância aqui mencionada reside em opções metodológicas e projeções de futuro hora distintas, hora semelhantes. De um lado, a Alemanha pessimista de Simmel, que tenta captar “espécies da eternidade” por meio do terminantemente fugidio, passageiro, exercício que culmina numa metafísica do mundo moderno e no diagnóstico último da “perda de sentido”. De outro, a França otimista de Durkheim, que vê novas formas de solidariedade surgirem no mundo industrial rompendo com laços antigos, possibilitando a ampliação das necessidades e o caminho “possível” da conseqüente ampliação das satisfações. Em ambos um incômodo comum: a divisão do trabalho que separa e une os indivíduos produzindo novas e desafiadoras formas de sociabilidade, produzindo um “novo” homem anônimo ou bem definido.
A unidade temática apontada tem um itinerário sugerido: os conceitos de cultura e civilização. Em Simmel a ambigüidade do “dentro” e “fora” – subjetivo e objetivo – dando sentido a cultura; em Durkheim a unicidade exterior – fatos morais – compondo o aparelho que testemunha acréscimos de civilização e o decorrente florescimento de patologias. Afirmar uma mesma perspectiva “coletivista”, na abordagem de um tema comum, não pode esconder a particularidade no que concerne, principalmente, a conclusão.
O ponto de Simmel é claro: a divisão do trabalho cresce, embalada por uma vida “sem sentido”, e fragmenta de forma “trágica” a cultura em objetiva e subjetiva. Afirmação essa que cobra o entendimento de conceitos centrais na construção simmeliana, ancorados numa espécie de “filosofia da cultura” associada a uma “teoria do moderno” e a um “diagnóstico do presente” (WAIZBORT, 2000). A abordagem tópica da obra do autor habita uma sistematização artificial, sem possibilidades analíticas apartadas. Isso porque ao classificar a fragmentação da cultura como trágica, Simmel coloca em evidência o percurso de um processo que tem sua origem identificada no próprio ator que será posteriormente o alvo de seus desdobramentos: o homem. A “tragédia da cultura” indica não um destino adverso, mas sim um agente que engendra sua própria submissão, a forças hostis que ele criou (SOUZA, 2005).
O ponto de partida é o enfrentamento do homem – sujeito – com uma natureza a ser moldada – objeto –, que nos distingue, antes, dos animais. Simmel fala de um “espírito” que se objetiva e autonomiza, que mesmo sendo finito produz formas duráveis em movimentos trágicos de marcação da forma como ele se constitui.
O homem não se ordena à realidade natural do mundo como animal, antes ele se arranca dela e se contrapõe a ela, exigindo, violentando e sendo violentado – com este primeiro grande dualismo, inicia-se o processo infindável entre sujeito e objeto (...) Enquanto espírito intimamente ligado ao espírito, o sujeito vivencia incontáveis tragédias nesta profunda contradição de forma entre a vida subjetiva infatigável, mas temporalmente finita, e seus conteúdos, que, uma vez criados, são estáticos, mas têm uma validade atemporal (SIMMEL, 2005b: 77).
O duelo em questão é o próprio processo da cultura que se dá no dualismo imbricado das esferas subjetiva e objetiva do sujeito: um mundo exterior que deve ser moldado segundo os ditames da subjetividade; uma subjetividade que se constrói a partir de dados objetivos tomados da realidade exterior, que curiosamente correspondem a subjetividades outrora cristalizadas. A dialética simmeliana prescinde de síntese: a vida espiritual induz a forma material partindo, ao mesmo tempo, da materialidade que ela irá formar.
Imaginar uma natureza moldada segundo a subjetividade humana comporta certo grau de aceitação. No entanto, a atenção de Simmel volta-se para a formação dessa subjetividade fluida, que também não pode ser pensada como isolada. Isso porque, mesmo a potencialidade intrínseca aos espíritos requer cultivo para se realizar. O autor fala de acréscimos que desenvolvem o que já existe dentro de nós: um sujeito que vai se aperfeiçoando no contato com o mundo que está a sua volta.
Recusamos o conceito de cultura quando a perfeição não é sentida como desenvolvimento próprio do centro da alma; mas ele tampouco é corretamente aplicável quando essa perfeição comparece como um desenvolvimento próprio que prescinde de quaisquer meios ou estações que lhe sejam objetivos e exteriores (Ibidem, 80).
A percepção apartada da realidade objetiva – mesmo sendo ela subjetividade autônoma – é o que Simmel entende por civilização, certamente distante do conceito de cultura por ele formulado como sendo a síntese dessas esferas. Essa distinção conceitual está na raiz do diagnóstico de um mundo “sem sentido”: valores que são ignorados enaltecendo uma objetividade em detrimento da subjetividade enriquecida que é o resultado visado pela síntese da cultura. Raciocínio que passa pela quebra de uma sugerida circularidade “natural”, compondo o conceito de “tragédia” anteriormente definido.
Simmel nos fala de um sujeito que enriquece sua subjetividade no relacionamento com os objetos formados no plano da cultura. Estes são engendrados por outras subjetividades numa espécie de “corrente” que vai de sujeitos a sujeitos passando por objetos, sempre tendo em vista a característica de subjetividades fluidas e objetividades estáticas. Nesse sentido, o processo de formação de cultura se dá na circularidade sujeito-objeto, objeto-sujeito, sendo o último distinto do inicial (WAIZBORT, 2000).
O momento de quebra dessa circularidade se dá quando a subjetividade perde sua fluidez ao se amarrar ao objeto, ou quando o objeto é jogado para fora do “fluxo da vida” ganhando autonomia. Algo que antes ocupava uma posição mediadora no enriquecimento do espírito rompe a “corrente” que liga os sujeitos por meio dos objetos. O dinheiro será o exemplo maior desse acontecimento: meio que se transforma em fim bloqueando o processo da cultura.
A obra exterior ou imaterial na qual a vida interior se materializou é percebida como um valor especial; a vida, fluindo para dentro dela, pode se perder num beco sem saída ou a corrente da vida pode seguir seu fluxo, deixando para trás esta criação lançada fora deste fluxo (...) Nas objetivações do espírito, sobressai uma acentuação de valor que, com efeito, nasce na consciência subjetiva, mas que vai além dela (SIMMEL, 2005b: 82).
Ao ganhar autonomia os objetos colocam em risco o sentido da vida, justo porque os sentidos objetivados dependem de subjetividades que se consolidaram, como, por exemplo, um nascer do sol que precisa ser imortalizado na arte. Os valores da cultura são produzidos em séries objetivas que, no mundo moderno, não mais conseguem enxergar sua finalidade quando a produção afasta-se do produtor, como necessidade e resposta o processo de divisão do trabalho. Perde-se a noção de todo, fazendo das partes isoladas entes objetivos autônomos (WAIZBORT, 2000).
Simmel entende a divisão do trabalho como um alongamento na cadeia de produção de sentido que liga um número cada vez maior de indivíduos, ao mesmo tempo em que os afasta. Indivíduos estes que são, dentro da lógica do processo, eles próprios objetivados, dada a necessidade de produção criada dentro da própria produção. O “novo” homem que o mundo industrial produz, e quanto a isso Durkheim não fará ressalvas, é o especialista. No entanto, Simmel vê o especialista num processo que desenvolve suas partes (os elos da cadeia) sem desenvolver o todo (a cultura). A tragédia de um homem que se perde ao se realizar.
A valoração de quem se preocupa somente com a salvação da alma, com o ideal da força pessoal ou com o desenvolvimento individual interior, inatingível a qualquer momento exterior, carece justamente de um dos fatores integrantes da cultura, ao passo que o outro falta àquelas pessoas que só se preocupam com a pura perfeição objetiva de nossas obras. O caso extremo do primeiro tipo é o devoto, do outro é o especialista enclausurado no fanatismo da sua área de trabalho ou pesquisa (SIMMEL, 2005b: p. 89).
O diagnóstico simmeliano não poderia ser outro: cria-se uma cultura dos meios incapaz de enxergar no horizonte os fins. Isso fará com que a vida seja tomada apenas pela exterioridade que a compõe. Homens que se separam no anonimato e unem-se por dependência mútua. Homens que tiveram os laços que os ligavam dissolvidos na “cultura do dinheiro” (dos meios) a ponto de se tornarem facilmente permutáveis com a utilização do meio ideal e fim último da ação no mundo moderno: o dinheiro. Aqui, precisamente, Simmel percebe uma negatividade no processo de divisão do trabalho que marca seu afastamento com relação do modo como Durkheim o entenderá.
Certamente o dinheiro dispensa formas de solidariedade tradicional ao quantificar relações através de um meio de troca purificado de subjetividade. A irrelevância das corporações medievais no mundo industrial – que primavam pela manutenção de um relacionamento mais significativo do que o mero contato econômico – é uma prova disso (SOUZA, 2005). Durkheim chama a atenção no extenso prefácio à segunda edição da sua “Divisão do Trabalho Social”, publicada em 1902, sobre a importância de tais corporações, mesmo no mundo industrial que as fez desimportantes, na recuperação de princípios de moral inexistentes no mundo da economia.
Diferentemente de Simmel, não fazendo caso de qualquer metafísica e tematizando a divisão do trabalho por meio da noção de civilização, Durkheim vem com sua ciência apontar possíveis “correções” para as patologias factualmente presentes na sociedade industrial: mesmo que a vida econômica esteja inevitavelmente ligada a um estado de anomina jurídica e moral, o tema do nosso mundo, sociologicamente apontado, é a solidariedade. Uma reflexão que se dará não por meio da filosofia ou da lógica, mas com base nas ciências positivas, uma “ciência da moral”.
A questão fundamental do autor assemelha-se a de Simmel: o resultado antinômico do processo de divisão do trabalho que proporciona autonomia individual e solidariedade social. Como poderia ser o homem, ao mesmo tempo, mais livre e mais solidário? Ambos concordam que os antigos laços de solidariedade se desfizeram. No entanto, Durkheim não irá tomar o homem como um ser que parte do todo em sua construção – assim como no registro germânico – percebendo apenas sua “função” dentro de um organismo social maior. O ideal não é mais o da cultura e sim o da civilização, e na moderna civilização os indivíduos, em sua grande maioria, estão absolvidos dentro de funções especificamente econômicas, caracterizadas por um critério de sucesso, que substitui as demais esferas.
As premissas metodológicas do autor seriam sistematizadas numa obra posterior ao estudo da divisão do trabalho (DURKHEIM, 1990). Nela, o sociólogo ganharia “regras” para o seu método, sempre no intuito de captar aquilo que pertence ao registro da sociologia, dentro da perspectiva científica. O ponto que nos interessa é a afirmação de Durkheim sobre a única possibilidade de se explicar fenômenos sociais derivando-os de outros fenômenos sociais. Isso já havia sido feito tomando o direito como manifestação dos laços de solidariedade na dicotomia central da obra: sociedades antigas versus sociedades modernas (GIDDENS, 1997). Um direito que reproduz formas de solidariedade e que ainda existem, mesmo que de forma distinta, no mundo moderno.
É importante marcar essa dicotomia visto que a sociedade industrial diagnosticada por Durkheim não prescinde de regras morais. Qualquer sociedade se estrutura dentro de princípios maiores que a mantenham estável. Mesmo a liberdade individual, marca do nosso tempo, tem que ser garantida pela “regra” que rege o convívio entre os indivíduos seja ela positivada em lei ou não.
As tréguas impostas pela violência são apenas provisórias e não pacificam os espíritos. As paixões humanas só se detêm diante de uma força moral que elas respeitam. Se qualquer autoridade desse gênero inexiste, é a lei do mais forte que reina e, latente ou agudo, o estado de guerra é necessariamente crônico (...) a liberdade (entendemos a liberdade justa, aquela que a sociedade tem o dever d fazer respeitar) é, ela própria, produto de uma regulamentação (DURKHEIM, 1999: VII-VIII).
A solidariedade social é um fenômeno terminantemente moral que, sobretudo, não se presta a uma análise explícita. Ela requer um símbolo mais visível que a expresse, como dito anteriormente, o direito. Para operar o estudo, Durkheim trabalha com a categoria de sanção, classificando-a em duas formas distintas que correspondem, por certo, as formas distintas de solidariedade: uma de tipo repressivo – penal – própria de um mundo “emocional” com divisão do trabalho ainda incipiente; e, outra de tipo restitutivo – administrativo – decorrente da ampliação da divisão do trabalho e primando por uma maior racionalização das relações sociais.
A transformação que a divisão do trabalho opera é a de um estágio de pouca ou nenhuma distinção entre os indivíduos para um estágio de maior distinção. Ela torna possível a sociedade em que vivemos, momento em que o autor entende o trabalho como fonte própria de civilização: num tipo de sanção repressiva, indivíduos semelhantes são descartados caso atentem contra a moral vigente; já numa sanção de tipo restitutivo, indivíduos específicos e individualmente mais “importantes” dada sua função singular atribuída pelo mundo industrial, têm a oportunidade de ressarcir a coletividade do mal que fizeram, cooperando. Há um componente quase religioso no tipo de solidariedade mecânica (que antecede a moderna divisão do trabalho): aquele que viola o sagrado sofrerá uma vingança advinda do todo. Já a solidariedade orgânica (marca da sociedade industrial), racionaliza a consciência comum, tornando-a menos imperativa e permitindo a ascensão de personalidades individuais. Uma solidariedade de moral imperante versus uma solidariedade reflexiva.
A primeira liga diretamente o indivíduo à sociedade, sem nenhum intermediário. Na segunda, ele depende da sociedade, porque depende das partes que a compõem. A sociedade não é vista sob o mesmo aspecto nos dois casos. No primeiro, o que chamamos por esse nome é um conjunto mais ou menos organizado de crenças e de sentimentos comuns a todos os membros do grupo: é o tipo coletivo. Ao contrário, a sociedade de que somos solidários no segundo caso é um sistema de funções diferentes e especiais unidas por relações definidas (Ibidem, 106).
Um dado é central: o mundo moderno é marcadamente o mundo da economia. A divisão do trabalho vem tentar sanar necessidades que ela própria se encarrega de criar. Os indivíduos da cidade, que já havia sido descrita por Simmel como o local exemplar da modernidade (SIMMEL, 1973), têm sua vida ampliada em condições. No entanto, Durkheim percebe que as patologias sociais – como o crime e o suicídio, por exemplo – são mais freqüentes na sociedade industrial. Isso permite o autor afirmar o pregresso econômico como incapaz de reforçar os princípios morais constitutivos da autoridade que garante a existência coletiva. Certos de que a divisão do trabalho é a fonte de civilização – desenvolvendo as sociedade – falta-nos uma resposta sobre o princípio moral que impede que a vida coletiva de desfaça.
A especialização é, em Durkheim, o recurso de grande alcance moral nas sociedades modernas. É ela que faz com que todos os indivíduos, agora definidos particularmente e absolvidos pelo plano da economia, encontrem seu lugar na vida social. Essa é uma distinção marcante entre Simmel e Durkheim: não a partir do todo (cultura), mas uma solidariedade que se dá entre desiguais (orgânica) que gozam de dependência uns dos outros, como se no registro germânico o indivíduo dependesse do todo e na solidariedade orgânica ele dependesse das partes. O mundo “sem sentido”, que em Simmel decorre do processo de divisão do trabalho, tem em Durhheim seu sentido dado pelo mesmo fator.
Por mais ricamente dotados que sejamos, sempre nos falta alguma coisa, e os melhores dentre nós têm o sentimento de sua insuficiência. É por isso que procuramos, em nossos amigos, as qualidades que nos faltam, porque unido-nos a eles participamos de certa forma de sua natureza e nos sentimos, então, menos incompletos (...) Somos levados, assim, a considerar a divisão do trabalho sob um novo aspecto. Nesse caso, de fato, os serviços econômicos que ela pode prestar são pouca coisa em comparação com o efeito moral que ela produz, e sua verdadeira função é criar entre duas ou várias pessoas um sentimento de solidariedade (DURKHEIM, 1999: 21).
Simmel teria acertadamente percebido que o aumento das necessidades não precisar estar necessariamente acompanhado do aumento das suas possibilidades de satisfação. Nem Durkheim teria dito isso (GIDDENS, 1997). No entanto, o processo de especificação funcional que, segundo Simmel, fragmenta a cultura fazendo com que o homem moderno perca sua referência, será relido por Durkheim como a possibilidade de desenvolvimento da personalidade individual e não de sua negação. O homem moderno é mais indivíduo do que o homem antigo com o avanço da civilização que dá a este homem suas possibilidades de realização.
A especialização deve ser levada tanto mais longe quanto mais elevada for a espécie da sociedade, sem que seja possível atribuir-lhe outro limite. Sem dúvida, também devemos trabalhar em nós a realização do tipo coletivo, na medida em que ele existe. Há sentimentos comuns, idéias comuns, sem os quais, como se diz, não se é um homem. A regra que nos manda especializar-nos permanece limitada pela regra contrária. Nossa conclusão não é que é bom levar a especialização o mais longe possível, mas tão longe quanto necessário (...) Ninguém se prende a grande coisa quando não tem um objetivo mais definido e, por conseguinte, não se pode elevar acima de um egoísmo mais ou menos refinado. Ao contrário, aquele que se dedicou a uma tarefa definida é, a cada instante, chamado ao sentimento de solidariedade comum pelos mil deveres da moral profissional (DURKEIM, 1999: 423-424).
Mesmo que a partir de chaves distintas, ambos os autores nos falam de um processo de divisão que torna a substância qualitativa da vida passível de quantificação. Saídas distintas se devem a entendimentos distintos. De um lado, Simmel vê a infertilidade de buscarmos “distinção” num mundo que nos faz iguais por meio das categorias herdadas desse mundo – como a moda, por exemplo. Uma saída possível partiria de esferas de valor que são julgadas a partir de conceitos oriundas delas próprias, como a arte, por exemplo. O artista poderia ser encarado como o “herói” que tenta resgatar o sentido perdido do mundo. Por outro lado, Durkheim vê dentro do mundo econômico a saída: uma moral que brotaria do convívio entre corporações, grupos que precisam se encarregar de sua defesa, ocuparia o fosso aberto pelo processo de divisão do trabalho.
Talvez a leitura de Durkheim possa ser classificada dentro do sentimento comum aos “homens modernos” que habitam uma vida fragmentada de sentido: acreditar que o dinheiro cura as patologias que ele mesmo cria. Nessa perspectiva o francês teria sido enganado pela “lança mística” descrita por Simmel.
Diogo Tourino de Sousa
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