Como informa Leopoldo Waizbort em “As aventuras de Georg Simmel”, Simmel nasceu em Berlim e lá viveu até os 56 anos, tendo acompanhado o seu processo de transformação de cidade-residência em uma moderna aglomeração urbana . Segundo Waizbort (2000), a teoria do moderno elaborada por Simmel seria fruto de seu enfrentamento com a cidade em que vivia; o material que teria atiçado suas reflexões é coletado de suas experiências em Berlim. Ao mesmo tempo, porém, sua análise não se restringe a sua posição em Berlim por volta do século XIX. Como assinala David Frisby, o cedo interesse de Simmel na interação social e, já no início da década de 1890, a definição da sociologia como estudo das formas de sociação, foram combinadas com seu interesse original nos estados emocionais e psicológicos derivados dos estudos de Völkerpsychologie. Assim, o processo de transformação radical pelo qual a cidade de Simmel passa no período de 1858 a 1914, aliado ao olhar apurado do autor, teria sido o “elemento central na configuração da sua teoria do moderno, filosofia da cultura e análise do presente, em suma, para a própria idéia de uma cultura filosófica” (Waizbort, 2002: 315). Nesse sentido, o diagnóstico que Simmel faz de seu tempo está intrinsecamente relacionado aos seus métodos e objetos de análise, numa determinação recíproca. Algo que assemelha-se ao proceder de Benjamin.
A idéia de estilo de vida moderno, que tem como lugar histórico a metrópole, serve à Simmel como categoria capaz de convergir uma caracterização e uma teoria sobre o moderno. A modernidade como “eterno presente”, pensada, portanto, como um tempo de intensificação da vida, tanto nervosa quanto material, evoca modos de experiência e de análise condizentes com seu caráter transitório. Como assinala Frisby (2002), a modernidade consiste num modo particular de experiência do mundo, o qual não se reduz às nossas respostas interiores, mas que é também incorporado na nossa vida interior. O mundo externo se torna parte de nosso mundo interior e, por sua vez, o elemento substantivo do mundo externo é reduzido a um fluxo incessante. Constitui tarefa da alma moderna incorporar o mundo exterior e, paradoxa e simultaneamente, submeter-se às suas leis, como assinala Simmel no texto sobre Rodin . A captura e vivência de tal realidade social fragmentária, que tem sido reduzida à experiência individual interior, necessita também, pois, de um conhecimento focado no fragmento.
Como argumenta Waizbort, no processo histórico que nos teria trazido ao moderno, Simmel identifica a presença de uma ênfase em conteúdos específicos e o rebaixamento de domínios do mundo e da vida considerados indignos de profundidade metafísica. Ele propõe então uma virada diante de tal esgotamento da filosofia tradicional, apresentando como alternativa uma cultura filosófica, cuja concepção de mundo seja mais plural, consciente da diversidade de perspectivas e da multiplicidade de objetos passíveis de interpretação. Esta virada requer a inversão dos procedimentos do conhecimento, alertando para a possibilidade de se chegar à profundidade, ao essencial e significativo, pelo que está na superfície, pelo que é fugaz e efêmero. A saída encontrada por ele é a de dirigir-se a novos objetos – concretos e inusitados –, a fenômenos singulares, segmentos do real que seriam reabilitados.
A mobilidade, marca da modernidade e do esforço simmeliano, em contraposição à rigidez, direcionalidade e unicidade do espírito pré-moderno, asseguraria a todo fragmento do real que anseia ser levado à camada filosófica profunda a possibilidade de tornar-se objeto.
Nesse sentido é que pode-se dizer que o objeto em Simmel é visto como símbolo, e tal posicionamento frente ao mundo e à vida é de extração estética. Essas duas proposições caracterizariam o que Simmel denomina panteísmo estético: do fragmento à totalidade, de um ponto ao todo, pois que “o todo vive na parte”. O conhecimento através do símbolo, ou o símbolo como procedimento do conhecimento, emerge da constatação de que não é possível conhecer o divino a não ser a partir do sensível. O panteísmo estético realizaria uma estetização da realidade, o que significa aqui contemplar o real como uma obra de arte. A cada instante, a tarefa do investigador é estabelecer as relações entre o microcosmo e o macrocosmo. O mundo de Simmel torna-se um mundo de relações; tudo está em relação com tudo e esta é exatamente a idéia do panteísmo: deus está plenamente em tudo (Waizbort, 2000: 83-84).
A totalidade a que Simmel se refere, porém, não é nunca acabada, fixa – pois que em Simmel não há fim, meta, e sim processo, escavação. Ela apenas reluz por um instante a um nexo de relações que o sujeito elabora. O efêmero é visto como se fosse eterno, ou, Simmel postula uma espécie de congelamento do que é momentâneo para considerá-lo em sua intemporalidade. Como observa Frisby, a justificativa para partir do fragmento social está nisso: o fragmento fortuito não é meramente fragmento; o “´único” contem o “típico”, o fragmento fugaz é a “essência”.
O ensaio é a ferramenta de tal cultura filosófica: instrumento móvel e espontâneo, ocupado com o caminho que percorre, e não com as respostas a que deva chegar. Acusado de “superficial” por sua ausência de sistematização, objetividade e conclusões, ele é a forma da virada simmeliana , pois que na sua superficialidade radica a profundidade. O que se liga ao panteísmo estético simmeliano de “ver no individual o universal” .
Simmel propõe tais novas posturas diante da análise das formas de interação social – perspectivismo, panteísmo estético, relativismo, ensaísmo – por diagnosticar no presente o que ele chama de tragédia da cultura.
A idéia de estilo de vida moderno, que tem como lugar histórico a metrópole, serve à Simmel como categoria capaz de convergir uma caracterização e uma teoria sobre o moderno. A modernidade como “eterno presente”, pensada, portanto, como um tempo de intensificação da vida, tanto nervosa quanto material, evoca modos de experiência e de análise condizentes com seu caráter transitório. Como assinala Frisby (2002), a modernidade consiste num modo particular de experiência do mundo, o qual não se reduz às nossas respostas interiores, mas que é também incorporado na nossa vida interior. O mundo externo se torna parte de nosso mundo interior e, por sua vez, o elemento substantivo do mundo externo é reduzido a um fluxo incessante. Constitui tarefa da alma moderna incorporar o mundo exterior e, paradoxa e simultaneamente, submeter-se às suas leis, como assinala Simmel no texto sobre Rodin . A captura e vivência de tal realidade social fragmentária, que tem sido reduzida à experiência individual interior, necessita também, pois, de um conhecimento focado no fragmento.
Como argumenta Waizbort, no processo histórico que nos teria trazido ao moderno, Simmel identifica a presença de uma ênfase em conteúdos específicos e o rebaixamento de domínios do mundo e da vida considerados indignos de profundidade metafísica. Ele propõe então uma virada diante de tal esgotamento da filosofia tradicional, apresentando como alternativa uma cultura filosófica, cuja concepção de mundo seja mais plural, consciente da diversidade de perspectivas e da multiplicidade de objetos passíveis de interpretação. Esta virada requer a inversão dos procedimentos do conhecimento, alertando para a possibilidade de se chegar à profundidade, ao essencial e significativo, pelo que está na superfície, pelo que é fugaz e efêmero. A saída encontrada por ele é a de dirigir-se a novos objetos – concretos e inusitados –, a fenômenos singulares, segmentos do real que seriam reabilitados.
A mobilidade, marca da modernidade e do esforço simmeliano, em contraposição à rigidez, direcionalidade e unicidade do espírito pré-moderno, asseguraria a todo fragmento do real que anseia ser levado à camada filosófica profunda a possibilidade de tornar-se objeto.
Nesse sentido é que pode-se dizer que o objeto em Simmel é visto como símbolo, e tal posicionamento frente ao mundo e à vida é de extração estética. Essas duas proposições caracterizariam o que Simmel denomina panteísmo estético: do fragmento à totalidade, de um ponto ao todo, pois que “o todo vive na parte”. O conhecimento através do símbolo, ou o símbolo como procedimento do conhecimento, emerge da constatação de que não é possível conhecer o divino a não ser a partir do sensível. O panteísmo estético realizaria uma estetização da realidade, o que significa aqui contemplar o real como uma obra de arte. A cada instante, a tarefa do investigador é estabelecer as relações entre o microcosmo e o macrocosmo. O mundo de Simmel torna-se um mundo de relações; tudo está em relação com tudo e esta é exatamente a idéia do panteísmo: deus está plenamente em tudo (Waizbort, 2000: 83-84).
A totalidade a que Simmel se refere, porém, não é nunca acabada, fixa – pois que em Simmel não há fim, meta, e sim processo, escavação. Ela apenas reluz por um instante a um nexo de relações que o sujeito elabora. O efêmero é visto como se fosse eterno, ou, Simmel postula uma espécie de congelamento do que é momentâneo para considerá-lo em sua intemporalidade. Como observa Frisby, a justificativa para partir do fragmento social está nisso: o fragmento fortuito não é meramente fragmento; o “´único” contem o “típico”, o fragmento fugaz é a “essência”.
O ensaio é a ferramenta de tal cultura filosófica: instrumento móvel e espontâneo, ocupado com o caminho que percorre, e não com as respostas a que deva chegar. Acusado de “superficial” por sua ausência de sistematização, objetividade e conclusões, ele é a forma da virada simmeliana , pois que na sua superficialidade radica a profundidade. O que se liga ao panteísmo estético simmeliano de “ver no individual o universal” .
Simmel propõe tais novas posturas diante da análise das formas de interação social – perspectivismo, panteísmo estético, relativismo, ensaísmo – por diagnosticar no presente o que ele chama de tragédia da cultura.
Isabella Mendes Freitas
Referências Bibliográficas:
FRISBY, David. Fragments of modernity. Cambridge: First MIT Press edition, 2002.
SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio Guilherme (org.). O fenômeno urbano. 4ª ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
SOUZA, Jessé, ÖELZE, Berthold (orgs.). Simmel e a modernidade. Brasília: Editora da UNB, 1998.
WAIZBORT, Leopoldo. As aventuras de Georg Simmel. São Paulo: Editora 34, 2000.
FRISBY, David. Fragments of modernity. Cambridge: First MIT Press edition, 2002.
SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio Guilherme (org.). O fenômeno urbano. 4ª ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
SOUZA, Jessé, ÖELZE, Berthold (orgs.). Simmel e a modernidade. Brasília: Editora da UNB, 1998.
WAIZBORT, Leopoldo. As aventuras de Georg Simmel. São Paulo: Editora 34, 2000.
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