Há diversas entradas possíveis de aproximação entre Georg Simmel e Walter Benjamin. David Frisby, por exemplo, em Fragments of Modernity, une os dois autores à Siegfried Kracauer, aproximando-os em termos das perspectivas teóricas comuns no estudo da modernidade (a modernité de Baudelaire, a análise do capitalismo com a reificação e fetichismo em Marx, a idéia do novo como eterno retorno e o declínio do homem cultivado em Nietzsche), e de suas metodologias incomuns, que os colocam na posição de outsiders da academia. Além disso, a localização da análise destes autores no nível dos modos de experimentação da realidade tem suas origens na natureza distintiva de seus estudos. O objeto de tais análises, ou seja, o moderno, constitui para Simmel e Benjamin, objeto não fixado, não seguro, determinado pelo novo modo de experienciar (e não só “olhar”) a realidade social emergente.
Estes dois pensadores alemães, pois, se dedicaram à caracterização da modernidade em contextos distintos do nosso, mas, contando com apurada sensibilidade e evocando ampla liberdade do pensamento, conferem à modernidade expressão dinâmica e contribuem, aqui e agora, para a análise da articulação das esferas objetiva e subjetiva da vida urbana através de uma percepção estética das manifestações da vida, seja pela sociologia estetizante simmeliana, seja pela alegoria benjaminiana.
Da superfície à profundidade, do fragmento ao todo, num tatear sobre o jogo incessante da interação, da reciprocidade, da formação de constelações. A modernidade apresentada como trágica por Simmel e decaída em Benjamin, exige do pesquisador, do sujeito do conhecimento, uma atitude especial, sensível, que articule os fragmentos paradoxais da existência, seus cacos, em uma nova ordem, totalidade orgânica, ruína, dotada de significação. Uma articulação não aniquiladora do sujeito, o qual é o construtor das pontes (inconclusas), produtor das relações e dos desvios evocados pelos dois autores; não aniquiladora também do objeto, do fragmento, nem da aparência, os quais são realçados numa postura estética diante da vida.
Quantos aos modos de expressão, tanto Simmel quanto Benjamin costuram suas idéias de maneira bastante inusitada e criativa quando confrontados com os procedimentos científicos “tradicionais” postulados pela academia. A profusão de ensaios produzida por Simmel e o conjunto dos fragmentos textuais deixados por Benjamin ensinam que é possível investigar a realidade social urbana na sua superfície, na fugacidade de seus acontecimentos, na complexidade e transitoriedade de seu movimento, e apresentar tal investigação em sua fragmentaridade. Simmel e Benjamin sugerem, pois, uma compreensão dos fenômenos que não ignore, de um lado, a multiplicidade de faces dos objetos interpretados e, de outro, o perspectivismo e o subjetivismo de tal interpretação. Esta combinação dá origem a estudos cuja ênfase recai menos nas conclusões obtidas do que no caminho percorrido. Os objetos ganham outra significação, tendo restituída sua “profundidade metafísica” . O objeto possui várias faces e nos conduzem sempre a outros objetos, outros meios da série teleológica, o que implica necessariamente em desvios e digressões.
Isabella Mendes Freitas
Referências bibliográficas:
FRISBY, David. Fragments of modernity. Cambridge: First MIT Press edition, 2002.
MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. Tradução de Alberto Christophe Migueis Stuckenbruck. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
WAIZBORT, Leopoldo. As aventuras de Georg Simmel. São Paulo: Editora 34, 2000.
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